Novas variedades de uva: exigência do mercado ou necessidade do produtor?

Ao ir às grandes redes de supermercados em qualquer parte do mundo, o consumidor se depara com uma ampla variedade de uvas sem sementes, não vistas antes de 2010.
Em alguns casos, a semelhança entre os frutos é tão grande, que o consumidor não consegue distinguir entre as diferentes variedades e acaba tratando simplesmente como uva branca, vermelha e negra sem sementes. Se você é um consumidor e ama degustar uma boa uva, provavelmente se pega perguntando: “Mais porque tantas variedades diferentes? Qual são as diferenças entre elas?? o mercado mundial da uva está em crescimento?  
Nesse artigo, estarei explicando a você, o porquê da introdução dessas novas variedades sob a perspectiva do produtor.

Visão geral do Mercado de Uva

O consumo global de uvas frescas de mesa apresenta crescimento  pelo 6º ano consecutivo, passando de pouco mais de 15,6 milhões de toneladas em 2009/10 para uma expectativa de 20,9 milhões de toneladas em 2015/16, isso corresponde a um crescimento de quase 34%.

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Consumo de uva frescas no mundo

Seguindo a tendência de crescimento de mercado, estima-se que as variedades de uvas sem sementes são os mais procurados pelos consumidores tradicionais, como a Europa e os Estados Unidos, no entanto, os mercados asiáticos continuam a sua preferência para as uvas com sementes, como Red Globe.
De acordo com uma pesquisa feita pelo CEPEA no Brasil, a comercialização da uva sem semente no Ceagesp cresceu 92% no período de 2008 para 2011, o mercado de uva com semente vem perdendo espaço para as uvas sem sementes.
A produção dessas uvas sem semente basicamente está concentrado na região do Vale do São Francisco, que segundo o CEPEA,  a área plantada dessa região é equivalente a 11.500.00 hecatres, com uma produção estimada de 10.350.00 toneladas, sendo que 38% desse montante equivale a produção e comercialização de uvas sem sementes.

Uvas sem sementes tradicionais cultivadas no Brasil X Novas variedades

As principais uvas sem sementes tradicionais que são cultivadas no Brasil são: Thompson Seedless e Sugraone (branca) e  Crimson Seedless (vermelha). No entanto, essas variedades apresentam problemas como, irregularidade de produção, elevado custo de produção devido ao intensivo uso de mão de obra em algumas atividades como é o caso do raleio (retirada do excesso de bagas  na fase 2-3 mm).
A introdução das novas cultivares de uva de mesa ocorreu no final de 2010, no entanto, o “boom” do plantio comercial aconteceu em 2013, quando os produtores passaram a conhecer mais sobre as cultivares e suas peculiaridades de cultivo. Neste perído algumas variedades foram se consolidando e outras sendo eliminadas pois  apresentavam características satisfatória para comercialização ou problemas com baixa produtividade. Em alguns países como Estados Unidos, Espanha e África do Sul, a introdução de novas cultivares aconteceu antes e assim, algumas variedades como Timco, Magenta, Timpson, Sweet Celebration, Arra-15, Sable, Midnight e Timpson já estão mais desenvolvidas e consolidadas tanto do ponto de vista de produção como comercialização.
O objetivo do melhoramento genético é encontrar uma variedade ou cultivar que atenda tanto a necessidade do produtor, quanto ao consumidor.

O que o produtor e o consumidor esperam em uva nova variedade?

O produtor busca uma variedade que apresente baixo custo de produção, com menor demanda de trabalhos manuais, bom crescimento de baga sem aplicações de elevadas doses de giberelina, uniformidade do tamanho dessas bagas, sem degrana na colheita e pós-colheita e que sejam tolerantes a chuvas e doenças. Essas duas últimas características são determinantes na escolha das cultivares a serem produzidas no primeiro semestre.
Após a introducão dessas novas cultivares desde 2011 alguns produtores da região do Vale do São Francisco passaram a produzir uva no primeiro semestre. Algo que não estava sendo possível com as variedades tradicionalmente cultivadas, devido a alta sensibilidade a chuva.

Do ponto de vista do consumidor, as uvas precisam apresentar sabor, crocância,  bagas grandes e com uniformidade de coloração, boa aparência e resistentes a pós-colheita,e sejam capazes de suportar as condições de transporte e armazenamento.
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Variedade nova tem maior valor agregado na comercialização?

Você acha que o fato de plantar uma nova cultivar não garante que o produtor vai comercializar essa fruta por um valor mais elevado? O fato que o valor agregado dessa fruta depende da oferta e demanda de uva no mercado. Por exemplo, no primeiro semestre a tendência é que o produtor irá receber mais no kg da uva vendido, tendo em vista que neste período não há colheita das variedades tradicionais.  Já no segundo semestre, a variedade nova será colhida em um momento no qual o mercado estará com alta oferta de uva, assim essa nova variedade poderá não ter um valor diferenciado (no kilo) no momento da comercialização. Porém, se a nova cultivar apresentar algo atributo especial como, a Cotton Candy, que tem sabor de algodão doce, característica que a diferencia das outras variedades, ou seja tem um plus no momento da negociação, contribuindo para uma possível agregação de valor da fruta. Um outro exemplo é a cultivar BRS Vitória, com alto teor de açúcares, casca mais encorpada do que outras uvas e um sabor levemente puxado para o de framboesa, a Vitória tem como principal atrativo o fato de não ter semente. Segundo um artigo escrito pelo O Diario, vários produtores colheram a uva Vitória em 2014 e conseguiram um preço cerca de 20% superior ao das demais variedades.

Se plantar uma variedade não me garante preços mais altos. Então qual a vantagem de plantar uma nova variedade?

Ciclo de produção

Acho que você já percebeu que as uvas mais docinhas e com boa qualidade você só encontra para comprar nas redes de supermercado no segundo semestre do ano. Isso porque, as cultivares sem sementes tradicionais (Thompson e Sugraone) são muito sensíveis a chuva, e no primeiro semestre (Jan-Jun) do ano a presença de chuva é mais frequente na região do Vale, por isso os produtores evitam colheita nesse período. Essa é uma grande vantagem das novas variedades pois algumas variedades são tolerantes a chuva, o que permite a produção e colheita no primeiro semestre. Veja abaixo o quadro abaixo que o fluxo médio de colheita no Vale do São Francisco.

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Fluxo de colheita no Vale do São Francisco

Menor demanda de uso de mão-de-obra

As variedades tradicionais são exigente em mão-de-obra. Sendo estudo do CEPEA baseado em um custo de produção de uva de mesa numa propriedade de média escala (35 hectares), a gasto com mão-de-obra equivale a 35% do custo de produção dessas cultivares . Vale salientar, que esse valor varia em funcão do portifólio de variedade da empresa. Com relação as novas variedades ainda não se tem nenhum dado de custo de produção. No entanto, os produtores relatam redução de mão-de-obra na produção das mesmas. Algumas variedades, a exemplo a Sugar Crispy o emprego de mão-de-obra é significativamente reduzido quando comparado as exigências da cultivar Thompson Seedless ou Sugraone.

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Custo médio de uma prosperidade em média escala (35 hectares)

Baixo uso de hormônio de crescimento (Giberelina)

As uvas tradicionais sem semente quando produzidas naturalmente, apresentam tamanho de bagas inferiores e desuniformes, ou seja, em um mesmo cacho você encontra bagas grandes e bagas muito pequenas. Essa característica desvaloriza a fruta no momento da comercialização, e, para sanar esses problemas o produtor faz uso de giberelina ou ácido gibrélico (GA3). Vale salientar, que é um produto de origem orgânica e que não causa nenhum dano a saúde do consumidor.
Nas variedades tradicionais o produtor chega a aplicar 50 – 300 g de giberelina (GA3)/hectare para aumentar o tamanho das bagas. Para você entender melhor, vamos fazer uma análise do uso de giberelina na cultivar Thompson Seedles. A primeira aplicação ocorre logo após a fixação de fruto com bagas de 2-3 mm, até o final do ciclo são necessários em torno de 300 ppm de giberelina para poder obtermos um tamanho médio de baga de 18 mm. Agora vamos fazer uma comparação do uso desse hormônio entre essa cultivar mencionada e as novas cultivares. Baseado em minha experiência de campo vamos categorizar as novas cultivares por exigência de giberelina para atingir um tamanho médio acima de 19 mm: Alta e (100 ppm), média (até 50 ppm) e baixa (10 ppm).
Como o consumo de giberelina é elevado, o custo de produção dessas cultivares tradicionais se tornam mais altos. Além disso, essas altas doses podem favorecer o aparecimento de alguns problemas posteriores de pós-colheita. Primeiro, é o alto índice de degrana, que é a facilidade com que a baga desprende da ráquis ou engaço. Uma forma simples de visualizar esse efeito é quando você compra um saquinho de uva, e ao retirar o cacho você encontra várias bagas soltas no fundo do cacho. Esse alto índice de degrana pode ocorrer durante o momento da colheita, embalagem ou na pós-colheita da fruta. Segundo, elevadas doses podem atrasar a colheita, ou seja, aumentar o ciclo de produção, bem como, reduzir a coloração nas uvas de cor, a exemplo a Flame Seedless ou Crimson Seedless.
Além desses problemas citados acima, as giberelina reduzem a fertilidade de gema das videiras, ou seja, reduz a capacidade da planta gerar frutos na safra seguinte. Isso ocorre porque essas doses podem causar danos nas gemas frutíferas. Nesse contexto, o produtor a precisar produzir em quantidade, sem comprometer a qualidade da fruta e a fertilidade da safra seguinte.
Para solucionar esse problema, o melhoramento genético de plantas tem feito um excelente trabalho no avanço de desenvolvimento de novas variedades menos exigentes em uso de giberelina para aumentar tamanho e uniformidade de bagas. Os geneticistas ou criadores estão selecionando variedades que naturalmente tenha bagas grandes sem necessitar aplicar nenhum produto hormonal (giberelina).
Estudos desenvolvidos pela Universidade da Califórnia, na cultivar Crimson Seedless comprovam que aplicações de 40 g de giberelina aplicada na fase de fixação de frutos (bagas 2mm) reduziu a fertilidade de gemas 77%. Assim, o uso desse hormônio deve ser feito de forma cautelosa, e de preferência sob a recomendação de um profissional da área.

Resistência a doença

Alguns programas de melhoramento genético estão focando em realizar cruzamento objetivando variedades mais resistentes a doenças. Algumas variedades já cultivadas em escala comercial apresentam resistência a doença superior as variedades tradicionais. Em observação de campo identifiquei que e algumas variedades o uso de aplicações com fungicidas para controle de doenças foram reduzidas em até 15%. Isso significa uma produção de uvas mais saudáveis.
Um estudo desenvolvido pela Embrapa com a cultivar BRS Vitória, analisando a sensibilidade a míldio pelo grau de severidade da doença (escala de notas 1 altamente resistente – 9 altamente sensível, encontrou nessa cultivar a uma nota de sensibilidade 3, isso equivale a maior nota observada nas avaliações. Esse nível de tolerância ao míldio significa um avanço em relação às cultivares de uvas sem semente disponíveis no mercado.

Crescimento em área cultivada com Novas Variedades

Você já deve estar se perguntando quanto atualmente se tem em área plantada com novas variedades no Brasil. Infelizmente, eu não tenho essa resposta para vocês! No Brasil ainda não se tem nenhum registro oficial demostrando o número de áreas plantadas com essas novas variedades.
Visando desmontar o potencial de crescimento de substituições de variedades, irei utilizar os dados apresentados pela United States Department of Agriculture – USDA, no qual representa o crescimento com área plantadas na California.
Em um outro artigo estarei escrevendo sobre algumas mudanças tecnológicas (inovações) dentro da agricultura voltado a produção de uva.

Gráfico

Variedades plantadas na California – USA

Considerações Finais:

Novas variedades não são somente uma demanda do mercado, mas também uma necessidade do produtor. As novas variedades estão dando ao produtor a possibilidade de colheita no primeiro semestre, isso é muito para equilibrar os custo da empresa. Assim, podemos então perceber que a introdução de novas variedades oportunizou o viticultor a planejar melhor seu calendário de poda e colheita, permindo-o alcançar patamares de preços mais elevados e com menor redução de perdas por chuvas. Tudo isso reflete em mais dinheiro no bolso do agricultor e frutos melhores na mesa do consumidor.

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